Por que sou um escutador
Durante a maior parte da minha carreira, fui um péssimo ouvinte em quase todas as maneiras possíveis. Eu era arrogante nos meus 30 anos, com certeza – talvez em meus 40 anos. Minhas conversas eram todas sobre algum conceito de vitória intelectual, tipo: “vou provar que sou mais inteligente do que você.” Não era uma coisa maligna, movida pela megalomania; era principalmente porque eu era um guerreiro, queria progredir, e progredir significava convencer as pessoas do meu ponto de vista.
O melhor conselho que já tive sobre escutar, conselho que mudou significativamente minha própria forma de agir, veio de Sam Palmisano. Ele estava conversando com nossa equipe de liderança, quando alguém perguntou a ele por que sua experiência de trabalho no Japão foi tão importante para o seu desenvolvimento como líder, e ele disse: “Porque aprendi a escutar”. E eu pensei: “Isso é incrível.” Ele também disse: “Aprendi a escutar tendo apenas um objetivo: a compreensão. Eu só estava tentando entender o que a pessoa estava tentando me transmitir. Eu não estava escutando para criticar, para opor ou convencer.”
Isso foi uma revelação para mim. Ficou claro que conforme você se torna um líder mais sênior, a vida é muito menos sobre como convencer as pessoas, e mais sobre como se beneficiar de informações complexas e obter o melhor das pessoas com quem trabalha. Ouvir para compreender ajuda a obter essa informação, é claro. Mas, é mais do que isso: é também o maior sinal de respeito que você pode dar a alguém. Então eu mudei por necessidade, tentei ficar mais relaxado no que estava fazendo e simplesmente ser mais paciente e aberto a novas ideias. E quando comecei a me concentrar na compreensão, descobri que minha largura de banda para escutar aumentou de uma maneira muito significativa.
É claro que o ambiente cultural vai definir todos os aspectos da comunicação. Se você está em um ambiente tóxico e movido pelo medo, escutar vai ser quase impossível. Já estive em lugares assim. Entretanto, ser o CEO significa que você pode definir a cultura pela qual escolherá os cargos abaixo de você e pelos padrões que você implementa. Sempre tentei enfatizar um ambiente de parceria, trabalho em equipe, confiança e respeito – e qualquer pessoa com tendência a intimidar, nós despedimos. Obviamente não é perfeito, afinal nós somos seres humanos. Mas nos esforçamos para que todos os aspectos de nossa cultura e da forma como operamos incentivem o compartilhamento de informações – escutar os fatos, escutar a lógica e tirar conclusões bem formadas.
Escuta estratégica
Como um executivo sênior, principalmente se você for responsável por uma grande função ou divisão, você trabalha em um ecossistema muito complicado, com muitas fontes de informações que são relevantes. Em sua mente, você precisa de uma foto do que é realidade agora, mas com o entendimento de que a imagem é dinâmica e ambígua. É por isso que é importante focar no que eu chamo de escuta estratégica: um sistema de escuta focado, multifacetado e sensível ao momento, que te ajuda a obter os sinais de que precisa do seu ecossistema.
Você deve buscar esses sinais ativamente e usar todos os meios possíveis para capturá-los. Eu imagino os sinais individuais como um quebra-cabeças de informação. Nenhuma peça sozinha monta a imagem toda – e você nunca consegue todas as peças – mas, ao montá-las, você tem uma boa ideia do que será a imagem final. Meu método de reunir as peças envolve visitar regularmente e ouvir pessoas na empresa que não necessariamente se reportam a mim. Também leio o máximo que posso: pesquisas, dados operacionais, relatórios de analistas, relatórios regulatórios, análises externas e assim por diante. Eu me reúno com nossos dez maiores investidores duas vezes por ano para ouvir. Em conferências de acionistas considero as perguntas e respostas muito importantes. A chave é você se manter aberto à possibilidade de que as informações podem e virão de qualquer lugar.
Também tento ensinar e modelar esse comportamento em nossa empresa. Frequentemente, quando estou com um executivo, digo: “Ei, conte-me sobre o seu ecossistema. A opinião de quais pessoas é importante para você? Vamos fazer uma lista dessas pessoas. Como você os escuta, e com que frequência? Quando foi a última vez que você obteve um dado específico? E não me diga que nada de novo é uma boa notícia.”
Escute ou falhe
É extremamente importante ser capaz de ouvir o perigo, que muitas vezes é vem num sinal muito fraco. Se houver um atraso na sua capacidade de ouvi-lo, você terá problemas porque o resto do mundo (a imprensa, os blogs) é um sistema de amplificação gigantesco para esses sinais. Ouvir é uma habilidade extrema: se você não tiver, você irá falhar, mas ter não significa que você necessariamente terá sucesso. A falha pode acontecer rapidamente – o sinal de perigo veio, você não reagiu e ele te pegou. Ou pode ocorrer de forma mais gradual, quando o acúmulo de todas as suas práticas inadequadas de escuta corrói relacionamentos pessoais, faz com que você tome decisões ruins ou te deixa incapaz de monitorar implementações. Eventualmente, executivos que não escutam perdem o apoio de suas equipes e colegas. E depois de perder esse suporte, é quase impossível recuperá-lo, assim você não poderá ser eficiente como executivo. Será demitido.
Da mesma forma, as organizações que não escutam também irão falhar, porque não perceberão um ambiente de mudanças ou não saberão se seus clientes e funcionários estão felizes. Em um ambiente dinâmico e incrivelmente denso de informações, você precisa escutar ou (brincando com as metáforas) – você estará cego.
Mudança de comportamento
A maioria das pessoas subestima a complexidade de escutar, as habilidades necessárias e o valor de fazer isso bem. Todo mundo diz que você precisa ser um bom ouvinte, mas na minha experiência, na maioria das vezes, isso é mais da boca para fora do que uma convicção.
Escutar pode ser aprendido, mas para mudar seu comportamento em qualquer dimensão importante, você precisa ter um autoconhecimento profundo. Você tem que mudar. Você tem que querer mudar, não dá para fingir. É disso que se trata a minha revelação. Comecei a pensar: é melhor eu mudar meu estilo. Eu era talvez 90% falar e 10% ouvir. Eu sabia que seria melhor tentar chegar mais perto de 50-50 e me forçar a ser mais paciente.
Isso foi difícil porque a arrogância me fazia pensar: “Eu sou mais inteligente do que você e sei o que você vai me dizer, então vamos tornar isso realmente eficiente para nós dois. Não terei de ouvir e podemos chegar à parte importante da conversa: eu dizendo a você o que fazer.” Me bateu forte que eu tinha que parar com isso. O que eu estava fazendo? Economizando três minutos? Todos nós temos três minutos de sobra. Tem que haver uma certa humildade para se escutar bem.
É claro que, no outro extremo, ouvir não significa ser um receptor estúpido de informações ou assumir uma postura de monge de “ouvir e não dizer nada”. Temos que processar o que estamos ouvindo, pensar sobre o que isso significa e tomar decisões. Ainda assim, antes de tomar uma decisão, você precisa ter certeza de que a escuta aconteceu, para que você tenha informações suficientes.
No nível dos executivos C-Level, essas informações incluem a compreensão da psicologia da situação. A maior parte do meu trabalho não é decidir sobre qual a coisa certa a fazer – isso é muito fácil. A parte difícil é descobrir como fazer isso acontecer. Para isso preciso compreender o pensamento e as motivações das pessoas que me ajudarão a alcançar os objetivos, para que eu possa ajudá-las a serem mais eficazes. Se eu não ouvir o suficiente para entender o mundo deles, não poderei ser um bom mentor, um bom líder.
Tradução livre de parte do artigo Why I’m a listener: Amgen CEO Kevin Sharer, McKinsey & Company.