Tour-de-Missão: Um novo pacto empresa-funcionário
Durante a maior parte do século 20, o pacto entre empresas e funcionários no mundo desenvolvido foi baseado em estabilidade. Os empregos em grandes corporações eram seguros: desde que a empresa desse certo em termos financeiros e o empregado fizesse seu trabalho, esse emprego não desapareceria.
No mundo dos executivos, as carreiras progrediam como numa espécie de escada rolante, oferecendo avanço previsível aos funcionários que seguissem as regras. As empresas, por sua vez, desfrutavam da lealdade dos funcionários e da baixa rotatividade.
Então veio a globalização e a Era da Informação. A estabilidade deu lugar a mudanças rápidas e imprevisíveis. A adaptabilidade e o empreendedorismo se tornaram fundamentais para alcançar e sustentar sucessos. Essas mudanças arruinaram o pacto empregador-empregado tradicional e sua escada rolante de carreira no setor privado dos EUA.
Você não pode ter uma empresa ágil se der contratos vitalícios a seus funcionários – e as melhores pessoas não querem um empregador para toda a vida, mas você pode construir um pacto melhor. De fato, algumas empresas estão fazendo isso.
Na comunidade de startups de alta tecnologia do Vale do Silício, adaptabilidade e apetite de risco são características reconhecidos como cruciais para o sucesso. Obviamente, nem toda indústria opera como um startup. Hoje, porém, a maioria das empresas operam em um ambiente semelhante, de mudanças rápidas e inovações disruptivas.
Pequenas startups superam gigantes corporativos o tempo todo, apesar das enormes desvantagens em recursos e posição competitiva. Startups são bem-sucedidas, em grande parte porque seus fundadores, executivos e primeiros funcionários são tipos altamente adaptáveis e empreendedores. São pessoas motivados a superar seus concorrentes em nível de energia, apetite de risco e networking, deste modo, geram também recompensas fora da curva.
Recrutar, treinar e contar com essa “nova” força de trabalho pode ser assustador. Afinal, se você encoraja seus funcionários a serem empreendedores, eles podem deixar você para a concorrência – ou pior, podem se tornar a concorrência. Esta é uma realidade cotidiana no Vale do Silício. Mas, líderes inteligentes percebem que podem incentivar atitudes empreendedoras e ao mesmo tempo aumentar a retenção de pessoas, repensando como se relacionam com Talentos em suas organizações. Além disso, muitos entenderam que podem se beneficiar inclusive dos funcionários que partem para outras oportunidades.
Embora este novo tipo de pacto seja mais evidente no mundo da tecnologia, já vimos elementos dele em outros lugares – em empresas de consultoria, por exemplo. O princípio implícito mais importante é a reciprocidade: ambas as partes entendem e reconhecem que entraram em um relacionamento voluntário, que beneficia os dois lados.
O investimento mútuo também era implícito no antigo pacto de emprego vitalício. Como os dois lados esperavam que o relacionamento fosse permanente, ambos estavam dispostos a investir nele. As empresas forneciam treinamentos, avanço e garantia subentendida de emprego, enquanto os funcionários forneciam lealdade e moderação nas suas demandas salariais.
O novo pacto reconhece a provável finitude do relacionamento, mas ainda assim procura construir confiança e investimento; todavia, em vez de buscar estabelecer estreitos laços de lealdade, ambos os lados buscam os benefícios mútuos de uma aliança.
Como aliados, empregador e empregado tentam agregar valor um ao outro. O empregador diz: “Se você nos tornar mais valiosos, nós os tornaremos mais valiosos”. O funcionário diz: “Se você me ajudar a crescer e florescer, ajudarei a empresa a crescer e florescer”. Os funcionários investem na adaptabilidade da empresa; a empresa investe na empregabilidade dos funcionários. Como o ex-CEO da Bain, Tom Tierney, dizia a recrutas e consultores: “Nós vamos torná-lo mais marketable”.
Você não pode construir uma empresa ágil
com contratos de trabalho vitalícios.
Sugerimos três maneiras simples e objetivas pelas quais as organizações podem tornar este novo pacto tangível e viável:
- Contratando funcionários para “tours-de-missão” definidos;
- Incentivando, até subsidiando, a construção de redes de relacionamento fora da organização;
- Criando redes alumni ativas que facilitem o relacionamento entre empregadores e ex-funcionários.
1. Estabelecendo um “Tour de Missão”
Se você acha que todo o seu time lhe dará lealdade vitalícia, pense novamente: mais cedo ou mais tarde a maioria dos funcionários pivotará para uma nova oportunidade. Reconhecendo esse fato, as empresas podem estabelecer alianças incrementais. Quando Reid Hoffman fundou o LinkedIn, ele definiu o pacto inicial do seu time como sendo um mandato de quatro anos, com uma discussão em dois anos. Se um funcionário movesse o ponteiro do negócio durante os quatro anos, a empresa o ajudaria a avançar em sua carreira. Idealmente, isso implicaria em apostar num outro Tour de Missão na empresa, mas também poderia significar uma nova posição para o funcionário em outro lugar, em uma empresa diferente.A abordagem do Tour de Missão funciona: A empresa recebe um funcionário engajado, que se esforça para entregar realizações tangíveis para o negócio, e que pode ser um importante parceiro ao final de seu tour ou tours. O funcionário pode não conseguir um emprego vitalício, mas dá um passo significativo em direção à empregabilidade vitalícia. Um tour de missão concluído também estabelece uma zona de confiança realista. O emprego e a lealdade ao longo da vida simplesmente não fazem parte do mundo de hoje; fingir que fazem diminui a confiança, por forçar os dois lados a mentir.Por que dois a quatro anos? Esse período parece ter um apelo (ainda) quase que universal. Nos negócios de software, ele é alinhado com um ciclo típico de desenvolvimento de produtos, permitindo que um funcionário veja um projeto completo. Empresas de bens de consumo, como a P&G, trocam seus gerentes de marca para que cada um passe de dois a quatro anos em uma função específica. Bancos de investimento e consultorias de gestão têm programas de analistas de dois a quatro anos. O ciclo se aplica mesmo fora do mundo dos negócios – pense nas eleições presidenciais dos EUA e nas Olimpíadas.Implementada adequadamente, a abordagem do tour-de-missão pode aumentar o recrutamento e a retenção de uma empresa. A chave é que este modelo fornece ao empregador e ao empregado uma base clara para trabalharem juntos. Ambos os lados concordam com antecedência sobre o objetivo do relacionamento, os benefícios esperados para cada um e um fim planejado.
2. Compromissos além dos limites da empresa
Não importa quantos funcionários inteligentes você tenha, sempre haverá
mais pessoas inteligentes fora da sua empresa do que dentro dela. Isso é verdade
para todas as organizações, desde startups de uma pessoa até os Googles do mundo.
Você pode se envolver com mentes inteligentes fora de sua empresa através da capacidade de networking de seus funcionários. Quanto maior a rede de um funcionário, mais ele ou ela poderá contribuir para a inovação. Para maximizar a diversidade, portanto a inovação, você precisa de redes dentro e fora da sua empresa.
Desta forma, os empregadores devem incentivar seus funcionários a criar e manter redes de relacionamento profissionais que envolvam o mundo exterior. Basicamente, você quer dizer a seus funcionários: “Forneceremos tempo para você construir sua rede e pagaremos para você participar de eventos onde você possa fazê-la crescer. Em troca, pedimos que você aproveite essa rede para ajudar a empresa.” Este é um ótimo exemplo de confiança e investimento mútuos: você confia em seus funcionários, dando-lhes os recursos para construir suas redes, e eles estão investindo em seus negócios, implantando parte do capital de relacionamento deles em nome da sua empresa.
Essas redes poderiam abranger todo o ambiente em que sua empresa opera, incluindo clientes e concorrentes e servir como plataformas para informações sobre novas tecnologias e outras tendências.
3. Construindo Redes com Antigos Funcionários (Alumni)
A primeira coisa que você deve fazer quando um funcionário valioso lhe disser que está indo embora é tentar convencê-lo a mudar de ideia. A segundo é parabenizá-lo pelo novo trabalho e dar boas-vindas à rede de Alumni da sua empresa. Só porque a relação formal de trabalho se encerra, não significa que seu relacionamento com o funcionário precisa terminar também. As redes de ex-funcionários corporativos são uma maneira excelente de manter relacionamentos de longo prazo com seus melhores funcionários. Como Cindy Lewiton Jackson observou enquanto era diretora global de desenvolvimento de carreira e relações com ex-funcionários da consultoria Bain: “O objetivo não é reter funcionários. O objetivo é criar uma relação para toda a vida.”Algumas indústrias e empresas há muito entendem isso. A McKinsey & Company opera uma rede de Alumni desde a década de 1960; o grupo tem mais de 34.000 membros (incluindo mais de 300 CEOs de empresas com pelo menos US$ 1 bilhão em receita anual). * números de 2020Pode ser que as consultorias de gestão tenham sido pioneiras nas redes de Alumni corporativos porque as práticas organizacionais dessas empresas (programas de dois anos de analistas, avanço “up or out”, incentivo para os consultores a assumirem posições nos clientes) se alinham muito bem com o conceito – mas as a prática está se espalhando. O LinkedIn agora hospeda milhares de grupos de ex-alunos corporativos, incluindo os de 98% de empresas Fortune 500. Tais grupos são frequentemente informais; eles surgem porque os ex-funcionários querem ficar em contato e ajudar um ao outro. Em um estudo da Universidade de Twente, na Holanda, apenas 15% das empresas pesquisadas tinham redes oficiais de alumni, mas 67% tinham grupos informais e organizados de forma independente.Você pode temer que administrar uma rede de ex-funcionários seja admitir que fracassou, ou seja, um sinal de que sua empresa não consegue reter seus talentos. Mas seus ex-funcionários provavelmente formarão uma rede de alumni de qualquer maneira; a pergunta é se sua empresa terá alguma voz nela.
Conclusão: O Círculo Virtuoso
Uma funcionária que trabalha seu networking energicamente, que mantém seu perfil do LinkedIn atualizado e pensa em outras oportunidades de trabalho não é um problema ou ameaça. De fato, essas pessoas empreendedoras, que olham para fora e são orientadas para o futuro, são provavelmente o que a sua empresa precisa de mais.
Como você equaciona a necessidade deste perfil de profissional com a realidade de que muitas delas não ficarão para sempre? Primeiro, aceitando essa realidade. Um estudo da CEB com 20.000 trabalhadores, rotulados por seus empregadores como “high potentials”, descobriu que um em cada quatro deles planejava trabalhar em outro lugar nos próximos 12 meses. Depois de superar essa verdade assustadora, será mais fácil alcançar relacionamentos honestos e produtivos que dão suporte às ambições de seus funcionários. Isso tornará seus funcionários mais eficazes no trabalho e poderá fazer com que fiquem com você por mais tempo.
A chave para o novo pacto empregador-empregado que imaginamos é que, embora não seja baseado em lealdade, também não é puramente transacional. É uma aliança, entre uma organização e um indivíduo, que visa ajudar a ambos a ter sucesso.
Na guerra pelo talento, esse pacto pode ser a arma secreta que ajudará você a preencher suas vagas com as superestrelas criativas e adaptáveis que todos desejam. Esses são os funcionários empreendedores que impulsionam o sucesso nos negócios – e o sucesso nos negócios o deixa ainda mais atraente para os funcionários. Esse círculo virtuoso tem criado uma vantagem competitiva no que diz respeito a Talento. Funciona no Vale do Silício e pode funcionar também na sua empresa.
Versão reduzida e traduzida do artigo Tours of Duty: The New Employer-Employee Compact, escrito por Reid Hoffman, Ben Casnocha, and Chris Yeh, publicado na Harcard Busoness Review, na edição de junho de 2013